domingo, 12 de setembro de 2010

O universo de Stephen Hawking




Alquimia cósmica, artigo de Marcelo Gleiser

Bem antes de existirem alquimistas humanos, o Universo já realizava o suposto milagre da transmutação no coração das estrelas


Marcelo Gleiser, professor de Física Teórica do Dartmouth College, em Hanover, EUA, e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu", mantém no caderno “Mais!” da “Folha de SP” a coluna “Micro/Macro”, onde publicou este texto:

Durante a Idade Média e até o início do século 18, alquimistas tentaram um feito impossível: a transmutação de elementos químicos, em particular chumbo, em ouro, usando reações químicas comuns.

O impossível aqui, como foi descoberto bem mais tarde, não é a transmutação dos elementos em si, mas fazê-lo usando reações com energias típicas de reações químicas, baseadas na troca de elétrons entre elementos.

O problema é que a identidade de um elemento químico, se é hidrogênio, carbono ou manganês, não vem do número de elétrons circulando em torno de seu núcleo, mas do de prótons no núcleo.

Hidrogênio, o elemento mais simples e mais comum no Universo, tem apenas um próton no núcleo. Hélio, o próximo, tem dois.

Leitores familiarizados com a Tabela Periódica sabem que os elementos são arranjados (da esquerda para a direita) de acordo com o seu "número atômico", o número de prótons no núcleo. Ouro tem 79 e chumbo, 82.

Transmutação só é possível quando muda o número de prótons no núcleo. Para isso, são necessárias reações nucleares com energias milhões de vezes maiores do que as energias típicas das reações químicas.

Não dá para aquecer chumbo com um foguinho, misturá-lo com outros compostos e obter ouro. O que não significa que a alquimia não tenha sido importante para o desenvolvimento da química, especialmente devido à identificação de vários elementos. Mas a verdadeira alquimia precisa de física nuclear.

Bem antes de existirem alquimistas humanos, uns 13 bilhões de anos antes, o Universo já realizava o suposto milagre da transmutação no coração das estrelas.

É impossível olhar para o mundo à nossa volta e não se perguntar de onde vieram os elementos químicos que compõem as coisas da natureza.

Pedras, plantas, água, animais, carros, poluição, tudo é composto de 92 elementos, do hidrogênio ao urânio, combinados em moléculas. A origem desses elementos está profundamente ligada à história cósmica. E nós também, já que somos feitos desses mesmos elementos.

Durante o primeiro minuto de sua existência, o Universo não tinha átomos. Apenas prótons, nêutrons (a outra partícula que compõe o núcleo) e elétrons viajavam pelo espaço, interagindo violentamente entre si e com a radiação, como pedaços de legume em uma sopa em ebulição.

(A água, nessa analogia, é a radiação.) Quando a temperatura da sopa cósmica caiu abaixo das equivalentes às energias nucleares, os núcleos dos três elementos mais simples (hidrogênio, hélio e lítio) foram formados.

Os primeiros átomos só surgiram 400 mil anos mais tarde, quando elétrons juntaram-se aos prótons para formar hidrogênio e hélio. Com eles, estrelas puderam nascer. Delas, surgiram os elementos mais pesados.

No coração das estrelas ocorre a fusão do hidrogênio em outros elementos. As enormes pressões geram temperaturas de dezenas de milhões de graus, que causam reações capazes de fundir prótons com prótons, formando, como num jogo de lego, outros elementos.

Nas estrelas como o Sol, a fusão vai até o carbono e oxigênio. Nas mais pesadas, até o ferro. São elas as fornalhas alquímicas do cosmo. Quando morrem, explodem com tal força que os elementos mais pesados que o ferro podem ser formados, até o urânio.

O oxigênio da água, o sódio e o cloro do sal, o carbono da sua pele e das plantas, todos foram forjados em estrelas, os grandes laboratórios alquímicos do cosmo. Pense nisso na próxima vez em que colocar sal no feijão.
(Folha de SP, 18/9)
Retirado do Jornal da Ciência http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=31515


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